Faces de mim
- Parte I
No bar sujo
e empoeirado,
eu sou a
porta aberta
no vai e vem
dos transeuntes.
No balcão,
eu sou o copo trincado,
usado e
reusado.
Na bebida eu
sou o gelo do uísque,
e saciada a
sede, sou eu quem sobro.
Eu sou a
dançarina
no palco mal
iluminado,
e sob rendas
desfiadas,
ao som de
blues chorado.
Eu sou a
nota que destoa
do canto
bêbado e infeliz
do artista
da vez.
Eu sou o
cachorro chutado por
ter ali
adentrado sem convite.
Eu sou o
petisco gorduroso
e indigesto,
e o gesto do
cavalheiro
que pede
mais um drinque.
Eu sou o
bafo do regurgito
de mais um
pobre caído
no canto, no
chão.
Eu sou o
cão. Eu sou o cão.
Eu sou o
cotovelo do marido traído,
e lombo de
cavalo arreado.
Na criança,
eu sou o
joelho resvalado.
Eu sou o chão,
eu sou o cão.
Eu sou a
tragédia grega
cantada sem
harpa,
porque não
há mais tocadores.
Eu sou
Hamlet, sou Romeu,
Sou a morte
que não beija
e o suicídio
que não vinga.
Eu sou a
partida. Sempre partida...
Eu sou o
cão!
No mar, não
sou braços de enseada,
eu sou a
craca dos cascos do navio,
e o limo do
convés.
Eu sou o
calo nos pés,
e o mau
cheiro,
e o cansaço...
Eu sou a
noite
anuviada e
sem luz,
sou a
estrela abortada,
e a donzela
atropelada.
Eu sou a
noiva cadáver,
e ainda sou,
o ser sem escrúpulos,
que a deixou
no altar.
Eu sou o
pavor. Eu sou o pavor.
Eu sou o
corvo no cemitério,
e nem posso
gritar :
“— Nunca
mais.”
Porque não
sou o grande Poe.
Eu sou o
corvo. Eu sou o corvo.
De
Shakespeare,
eu sou o
túmulo violado.
O amaldiçoado!
Com olhos
que se secaram...
Estou sem
choro. Estou sem choro.
Lilly Araújo
18/05/16
(02:21)
Você foi a fonte, O que o poema, este gemido, grito, fala, causou ao gerar-se, ao sair de si, é o mesmo que causou ao 'entrar-se' em nós, e que agora está a gerar-se em nós. Sentimos igualmente algo parecido, você e nós. Por já ter partido, e ser partido, sinto dessa forma.
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